Envenenamentos, agressões, assassinatos: deixar a Rússia não garante segurança aos dissidentes
Mesmo libertados por Moscou na troca de prisioneiros com os EUA, rivais de Putin sabem pelo histórico do regime que sua vida continua em perigo
Em 2018, o ex-espião russo Sergei Skripal e a filha dele sobreviveram a um envenenamento na Inglaterra, onde viviam após terem deixado a Rússia devido à perseguição estatal. Também em território britânico, onde pensava se sentir seguro, o ex-agente da KGB Alexander Litvinenko foi assassinado em 2006. Não há provas irrefutáveis da autoria dos crimes, atribuídos pelos governos ocidentais ao Kremlin.
Também não são casos isolados, mas sim exemplos, dentro de um universo amplo de incidentes, que deixam claro o alcance dos serviços de inteligência russos. Para aqueles que o presidente Vladimir Putin enxerga como uma ameaça a seu poder, nenhum lugar do mundo é seguro. Algo que vale a partir de agora para alguns dos envolvidos na recente troca de prisioneiros entre EUA e Rússia, críticos fervorosos do líder russo.
O acordo entre Moscou e Washington permitiu à Rússia repatriar oito pessoas, entre empresários e espiões, que estavam presos em nações ocidentais. O acordo levou a Alemanha a atender à principal demanda de Moscou: a libertação do assassino russo condenado Vadim Krasikov. Em troca, libertou 16 indivíduos, quatro deles de nacionalidade norte-americana, mas também cidadãos russos perseguidos pelo regime de Putin.
Um deles é o dissidente Vladimir Kara-Murza, que cumpria pena por crimes diversos, o mais grave “traição”, e após a libertação afirmou que estava “completamente convencido de que morreria na prisão de Putin.” Ele, que já havia se recusado a assinar um pedido de perdão ao presidente, agora tentará desfrutar da liberdade. Algo difícil quando se tem um alvo nas costas.
Pessoas em situação semelhante à de Kara-Murza já deixaram claro que não há país capaz de oferecer segurança contra os agentes do Kremlin. Uma investigação conduzida pelo site The Insider no ano passado constatou que três cidadãs russas críticas a Putin, todas vivendo no exterior para se proteger, foram muito provavelmente envenenadas por agentes a serviço do Kremlin.
Embora não seja possível afirmar que de fato houve três tentativas de assassinato, todos os indícios sugerem que as jornalistas Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan e a ativista Natalia Arno foram alvo de agentes a serviço de Moscou. Em comum, o fato de terem se colocado contra a guerra, inclusive expondo abusos cometidos pelo governo russo na Ucrânia.
Quem também sobreviveu para contar a história foi Leonid Volkov. O ex-assessor de Alexei Navalny foi agredido com um martelo em Vilnius, capital da Lituânia, em março. O episódio inclusive levou a viúva de Navalny, Yulia, a contratar um guarda-costas.
“Alexei e eu nunca tivemos segurança, e acho que herdei um pouco dessa coragem, dessa atitude arrogante de Alexei. Mas, quando você é muito arrogante, pode fazer um movimento errado. Então, por enquanto, meus colegas me pediram para andar com um guarda-costas”, disse Navalnaya à revista Time.
Outra que precisará olhar constantemente por sobre o ombro para garantir que não está em perigo é Alsu Kurmasheva, jornalista russo-americana que também se posicionou fortemente contra a guerra e por isso acabou presa. Ela cumpria pena na Rússia quando foi libertada como parte da troca de prisioneiros.
A lista de libertados tem ainda dois cidadãos com dupla nacionalidade, russa e alemã, acusados de traição. Um deles é Kevin Lik, que teria filmado e fotografado equipamento e pessoal de instalações militares russas, supostamente para entregar os dados a Berlim. Já Demuri Voronin é um ex-jornalista e aliado de Ivan Safronov, acusado de repassar às inteligências da República Tcheca e da Alemanha dados sobre a venda de armas pelo governo russo na África e no Oriente Médio.
Quem também poderia estar na lista, mas não sobreviveu, foi Navalny. Maria Pevchikh, aliada dele, disse ainda em fevereiro, dias após a morte, que autoridades russas estavam perto de realizar uma troca envolvendo o líder da oposição e dois cidadãos norte-americanos. As especulações indicam que estes seriam o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich e o ex-fuzileiro naval Paul Whelan, ambos devolvidos aos EUA na semana passada.
A lista de indivíduos entregues a Washington conta ainda com sete dissidentes russos, que igualmente devem aprender a viver com suas vidas ameaçadas. O mais conhecido destes é o proeminente oposicionista Ilya Yashin, um dos últimos críticos notórios de Putin que permanecia em liberdade na Rússia.
Completam a lista artista Alexandra Skochilenko, defensor dos direitos humanos Oleg orlov, da eentidade ganhador do Nobel Memorial, Lília Chanysheva, Ksenia Fadeeva e Vadim Ostani, parceiros do falecido Navalny, e Andrey Pivovarov, ativista da oposição e defensor dos direitos humanos, chefe do movimento Open Russia, hoje proibido no país.
A jornalista Irina Dolinina, do veículo independente Important Stories, sediado na capital tcheca, Praga, é mais um caso a ser estudado pelos recém-libertados. Perseguida pelo regime russo, ela recebeu mensagens ameaçadores e disse que sempre sentia vigiada, mesmo longe do país.
“Acabamos de escapar da Rússia e tivemos a ilusão de que havíamos escapado da prisão. Foi um erro pensarmos que aqui estamos seguros”, disse ela em maio deste ano à agência Associated Press (AP). “Fiquei realmente chocada que isso esteja acontecendo na Europa.”
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