Viúva contesta investigação, diz que Navalny ‘morreu sozinho’ e promete apurar o caso
A viuva, Yulia Navalnaya contesta relatório do governo russo e descreve como teriam sido, de fato, os últimos momentos do marido
Yulia Navalnaya, viúva do oposicionista russo Alexei Navalny, diz que não aceita o resultado das investigações do governo russo, que apontaram uma combinação de doenças como a causa da morte do marido, ocorrida em fevereiro deste ano, em uma colônia penal na Sibéria. Ela se manifestou em um vídeo publicado no YouTube.
Segundo ela, o único documento sobre a morte de Navalny foi entregue pela Rússia apenas na semana passada, seis meses após a ocorrência. Trata-se de um pequeno relatório redigido por um comitê de investigação governamental do distrito onde fica o presídio e assinado por um oficial identificado como major Verapaev.
O autor do relatório, diz a viúva, é a mesma autoridade militar que teria se negado a entregar o corpo à família de Navalny e “chantageado” a mãe do oposicionista para que realizasse uma cerimônia fúnebre “secreta”, longe dos olhares de apoiadores, simpatizantes e da população em geral.
O documento conclui que a morte ocorreu devido a uma “combinação de doenças”, sem qualquer indício de que um crime tenha sido cometido. E estabelece que nenhuma nova investigação se faz necessária.
No vídeo, entretanto, Navalnaya apresenta alegações para desacreditar tal teoria. Afirma, por exemplo, que o marido recebeu a visita de familiares dias antes da morte e que eles “conversaram durante horas. ”
Imagens registradas pelo sistema de vídeo da prisão, durante uma audiência judicial, são usadas para atestar que pouco antes de morrer o oposicionista parecia perfeitamente saudável e bem-humorado. Estava “se sentindo bem, sorrindo e até fazendo piadas com o juiz”, diz Navalnaya.
O documento apresentado pela viúva reforça as informações anteriores fornecidas pelo governo russo, de que Navalny saiu para uma caminhada no pátio da prisão, sentiu-se mal, foi levado ao ambulatório e morreu antes da chegada de uma ambulância.
“Então, esperam que acreditemos que Alexei, que estava bem o bastante para caminhar sob uma temperatura negativa de 20 graus, morreu quase que instantaneamente? ”, questiona ela. “Eu sei que o relatório de Verapaev é uma mentira e que eles estão escondendo o que realmente aconteceu naquele dia.”
Sem citar a fonte das informações, Navalnaya alega que os eventos se desenvolveram de maneira diversa. “Quando Alexei começou a se sentir mal, não foi levado ao ambulatório, e sim de volta à cela, onde morreu sozinho”, afirma. “Ele só foi levado para a unidade médica após perder a consciência. Em seus últimos momentos, ele reclamou de fortes dores abdominais. ”
Navalnaya, então, insta Moscou a iniciar uma investigação criminal e abre os canais de comunicação da equipe dela para que qualquer pessoa envie eventuais documentos que ajudem a esclarecer o caso. E conclui dizendo que realizará sua própria investigação.
Quem foi Alexei Navalny
Mais proeminente opositor de Putin, Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais e denunciava casos de corrupção envolvendo o governo, o que levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.
Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, um caso de fraude. Os promotores alegaram que ele não se apresentou à polícia justamente quando estava em coma pela dose tóxica.
Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, chegou a fazer uma greve de fome para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho de 2021, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais e a Fundação Anticorrupção (FBK) dele de funcionarem, classificando-os como “extremistas”. Julgado e condenado, o oposicionista jamais recuperou a liberdade e mantinha contato com seus seguidores pelas redes sociais, atualizadas por aliados.
A última medida retaliatória do governo contra Navalny foi transferi-lo para a gelada colônia penal IK-3, no Ártico russo, onde ele morreu no dia 16 de fevereiro de 2024. O inimigo número um de Putin desmaiou quando caminhava no pátio, e as tentativas de ressuscitá-lo, segundo os agentes carcerários, foram em vão.
Navalny cumpria pena de 30 anos por acusações diversas, que vão desde fraude até extremismo, esta a mais grave. Ele sempre alegou que as acusações eram politicamente motivadas e frequentemente reclamava do tratamento que recebia no cárcere, dizendo inclusive que sua saúde estava debilitada por isso.
A perseguição de que era vítima levou aliados, grupos de defesa dos direitos humanos, governos estrangeiros e até a ONU (Organização das Nações Unidas) a culparem o governo russo pela morte, alguns usando a palavra “assassinato”.
Após a morte, retomou-se o debate sobre o retorno dele à Rússia, mesmo sabendo que seria preso e possivelmente morto pelo regime. A viúva disse que Navalny não pôde optar por uma vida tranquila no exílio porque “amava profundamente” a Rússia e acreditava no potencial do povo russo para um futuro melhor. Alegou ainda que o marido não apenas expressava essas convicções, mas as vivia intensamente, estando até mesmo disposto a sacrificar sua vida por elas.
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